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Incríveis aventuras do cavalo-marinho

A fêmea toma a iniciativa do namoro, o macho dá à luz os filhotes. Não têm boca, mas comem muito. Têm características de muitos animais, mas na verdade são apenas peixinhos.

Para nós, o bicho é apenas o cavalo-marinho. Aliás, um ser muito mais estranho do que supunham os gregos, que lhe deram o nome de: hipocampo, que quer dizer cavalo (hippos) e lagarta (campe). Basta observar de perto esse animal para descobrir que ele reúne características de, pelo menos, mais três bichos além de cavalo e da lagarta. Seus olhos se deslocam independentes, nas órbitas, como os olhos dos camaleões. Também de camaleão é a principal característica de sua pele: muda de colorido conforme as circunstâncias. A cauda é preênsil, como a de um macaco; a barriga é de … canguru! Isso mesmo, o cavalo-marinho incuba seus filhotes dentro de uma bolsa ventral, característica dos marsupiais (gambás, cangurus etc.).

Pois com toda essa fantasia o cavalo-marinho é, na verdade, um inofensivo peixinho. Talvez o único traço que denuncie a sua categoria de peixe seja a presença de duas minúsculas e quase transparentes nadadeiras dorsais. Mas um animal tão insólito como ele não poderia ser enquadrado nos compêndios de Zoologia como um peixe qualquer. Assim, o cavalo-marinho tornou-se cientificamente um respeitável gasterosteiforme. Esse nome indica que o corpo do animal tem a forma de um estômago (alongado) e uma notável estrutura óssea. E é exatamente nessa estrutura óssea que vamos encontrar mais uma incrível semelhança entre cavalos-marinhos e animais de outras categorias. Dessa vez eles podem ser considerados algo semelhantes aos artrópodes (insetos, crustáceos, aracnídeos, etc.). Caracterizados por suas carapaças articulares, os artrópodes são animais revestidos por armaduras que funcionam como “esqueletos externos”, sustentando internamente os músculos e os demais componentes do organismo. Nisso eles diferem radicalmente de animais vertebrados cujo esqueleto de sustentação fica envolvido por espessas camadas de músculos.
O cavalo-marinho parece viver enfiado dentro de um verdadeiro exoesqueleto de artrópode. Por ter o esqueleto assim “à flor da pele”, dá a impressão de estar sempre passando fome. Sua alimentação, por sinal, gera outra inesperada questão. Aparentemente, o cavalo-marinho não tem boca, pois parece estar com os lábios soldados. Só depois de um minucioso exame é possível descobrir um pequeno orifício bem na ponta do “focinho”. Ali é a boca, o ponto inicial de um longo e estreito canal, onde o alimento é aspirado em direção ao estômago. Seu “cardápio” pode ser variado, porém deve obedecer a uma rigorosa seleção de tamanho. Só passam para o tubo digestivo bichinhos minúsculos, tais como as quase invisíveis pulgas-da-praia (anfípodes) e microscópicos camarõezinhos. O alimento não exige dele um grande esforço. Com a cauda enrolada na haste de uma alga, tudo que tem a fazer é ficar literalmente filtrando a água à sua volta. Muita vezes o animal aspirado é um pouco maior que o diâmetro do tubo aspirador, mas a força de sucção é tão grande que chega a despedaçar a vítima de encontro à ponta do focinho. Assim fica fácil carregar os restos para a barriga do cavalo-marinho. Esses curiosos habitantes dos mares tropicais estão distribuídos pelo mundo em aproximadamente cinqüenta espécies. Todos pertencem a um único gênero Hippocampus e, à exceção de tamanhos e cores, pouco diferem entre si. O maior deles é o Hippocampus ingens, encontrado na costa oeste das Américas, desde a Colômbia até o México. Seu comprimento alcança 30 centímetros e, se não pode ser considerado um gigante, pelo menos conta o dobro do tamanho médio das demais espécies. Na costa brasileira, a. espécie mais comum é o Hippocampus reidi, com até 18 centímetros. Seu colorido varia bastante, permitindo ao animal passar de tons acinzentados para o amarelo claro daí para o lanrajado até o vermelho-tijolo devido à essa facilidade de alteração de cores, os hipocampos se dissimulam com perfeição entre os diversos tipos de algas marinhas que constituem o seu ambiente predileto. Com freqüência são encontrados junto à costa, em águas pouco profundas (de 2 a 10 metros), sobre pedras recobertas por algas ou em recifes de corais.
A vida sexual do cavalo-marinho é o ponto mais alto de todas as suas esquisitices. Machos e fêmeas parecem haver trocado de papéis e com isso causaram uma verdadeira polêmica entre os primeiros biólogos que se dispuseram a devassar a privacidade de seus relacionamentos conjugais. A primeira surpresa, sem dúvida, é a enérgica atitude da fêmea ao tomar a iniciativa de cortejar o macho. Começando com um discreto roçar de cintura, ela logo se atira a carícias mais ousadas, enlaçando-o com a cauda. Embora a principio incrédulos, os cientistas acabaram constatando que, lá pelas tantas, é a fêmea que introduz algo na região ventral do companheiro. O material injetado é uma gelatinosa massa de ovos. Durante quase dois meses vai crescendo uma respeitável barriguinha sobre o discutível garanhão. O desenlace de todo esse espetáculo é previsível. Depois de cinqüenta dias de gestação, o macho dá à luz mais de trezentos minúsculos “potros-marinhos”.
O verdadeiro nascimento dos filhotes acontece no interior da bolsa, poucos dias após a transferência dos ovos para o organismo do macho. Mas só depois de um mês e meio é que eles estão aptos a abandonar a “incubadora paterna”, o que acontece sempre à noite. De toda a numerosíssima prole nascida de um único cavalo-marinho, apenas uma dezena ou pouco mais do que isso alcança a idade. adulta. A maior parte deles é devorada por pequenos peixes ou não encontra alimentação suficiente durante a primeira fase da vida. Com apenas 2 milímetros de comprimento, os potrinhos só podem se alimentar de seres microscópicos, nem sempre abundantes em certas regiões litorâneas. E o consumo diário de um recém-nascido é de milhares de larvas de microcrustáceos.

O comportamento sexual de várias espécies de hipocampos foi estudado pormenorizadamente em aquários e revelou uma mínima variação de estratégias. As manobras da fêmea estimulam o rápido crescimento de uma bolsa sobre o ventre do macho. Bem no centro, a bolsa contém um orifício, um poro dilatado que, durante o ato sexual, recebe o tubo ovopositor da fêmea. Ao penetrarem no organismo do macho, os ovos são prontamente fecundados ainda durante a passagem pelo canal de entrada. Depois de amontoados às centenas no interior da bolsa, eles passam a receber nutrição através de um complexo sistema de capilares sangüíneos, que irrigam esse órgão.

Há, portanto, uma curiosa semelhança de funções entre a bolsa de ovos do cavalo-marinho e o útero feminino de outros animais. A capacidade de uma bolsa incubadora é de perto de seiscentos ovos, número que não pode ser completado com a postura de uma única fêmea. Por isso, o “garanhão” dos mares fica destinado a ser depositário das oviposições de várias fêmeas. Servindo passivamente ao “harém” e contrariando, assim, o convencional conceito de poligamia em todo o reino animal, o hipocampo é, categoricamente, uma criatura do contra.
Pelo menos desde os tempos de Cristo, a fama dos cavalos-marinhos já se alastrava no mundo antigo graças aos ensinamentos de Plínio, naturalista e comandante militar do Império Romano. Segundo ele, as cinzas dos hipocampos incinerados combatia a calvície, as febres, as erupções da pele e evitava a morte dos mordidos por cão raivoso. Para os antigos gregos, o animal representava um veneno fulminante, desde que embebido em vinho. Por outro lado, ele era reconhecido como um poderoso antídoto contra outros venenos, quando engolido com vinagre e mel ou misturado com piche. Ainda hoje, na tradicional farmacopéia chinesa, o cavalo-marinho é tido como um potente afrodisíaco. Mas tudo isso é pura superstição. De fantástico mesmo ele só tem três coisas: a forma do corpo, o funcionamento do organismo e o comportamento sexual. O que, aliás, não é pouco para um mesmo animal.



Por Roberto Muylaert Tinoco
Imagens: Google

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