Salários astronômicos. Clubes com visibilidade mundial. Competições, organização, grande cobertura midiática. Tudo isso se encaixa quando falamos do futebol no Brasil, mas para os homens. Para as mulheres, o cenário é diferente.
Times não possuem estrutura para o futebol feminino, não existe apoio, a mídia pouco fala.
No dia 8 de novembro de 2015 aconteceu a final da Copa Libertadores da América de futebol feminino. A competição internacional é uma das principais na América Latina, mas foi pouco vista na mídia. A Ferroviária, time de Araraquara-SP, foi campeã, vencendo o Colo Colo (Chile), e pouquíssimo foi divulgado sobre isso.
A atleta brasileira Marta foi eleita cinco vezes consecutivas a melhor do mundo. De acordo com pesquisa do site "The Richest", é a jogadora mais bem paga no planeta entre atletas femininas, recebe cerca de R$ 910 mil por ano. O valor pode parecer astronômico para o trabalhador comum, mas quando comparado a um jogador de alto nível como Neymar, o montante não chega a um quinto de quanto ele fatura por mês: cerca de R$ 5 milhões. Marta ganha em 12 meses o que o jogador do Barcelona fatura em uma semana. Ambos atuaram pelo Santos e conquistaram a Copa Libertadores da América. Logo após sua conquista, Neymar teve sua transferência acertada ao Barcelona. Diferentemente de Marta que, junto com o restante do time, foi dispensada por falta de verba no clube. Segundo a revista "The Atlantic", o orçamento anual da equipe feminina do Santos era de R$ 1,5 milhão, enquanto na mesma época apenas o salário de Neymar era de R$ 1 milhão.
A situação já é discrepante quando comparamos os dois melhores jogadores brasileiros. Para quem está começando, é ainda pior. Roberta Pascotto teve muitos problemas no início da carreira e precisou sair do país para evitar o preconceito. Ela conta:
"Eu quase desisti do futebol, por todas as condições que ele apresenta no Brasil, mas aqui fora é o oposto, não estou tendo problemas com isso"
Roberta diz que o desrespeito vem principalmente por parte da torcida. Ouve coisas desde que o lugar da mulher não é no esporte até assobios e "cantadas", a solução que ela encontra é de ignorar e focar no jogo.
A dificuldade não está apenas em quem pratica, as mulheres que querem ser repórter na área também sofrem com isso. Durante a Copa do Mundo de 2014, vimos o caso da jornalista da Rede Globo, Sabrina Samonato, foi agarrada por um torcedor, que deu um beijo em seu rosto, sem seu consentimento. Muito pouco espaço é dado às mulheres dentro de programas esportivos. E as que conseguiram essa conquista, ainda precisam ouvir duras críticas.
Taynah Espinoza é apresentadora e repórter esportiva, para ela o maior preconceito vem por parte do público e não tanto dos colegas de profissão. Ela diz:
"Se eu conseguir um furo de reportagem, vão dizer que eu só consegui porque sou mulher, que usei alguma coisa pra conseguir essa informação. Se um homem consegue, a visão geral é que ele é muito bom repórter. Se durante a entrevista brinco com o jogador, dizem que estou paquerando. Se um homem faz isso é porque é parceiro do boleiro"
De acordo com a repórter, a diferença existe até no xingamento das redes sociais. Enquanto o jornalista homem que diz algo equivocado é chamado de burro, a mulher "tem que ficar em casa lavando louça". Taynah ainda precisa repensar roupas e até atitudes para não dar qualquer impressão errada. Para ela, a solução é não dar nenhum tipo de abertura. "Infelizmente, acabo passando por chata para os jogadores, justamente para não dar a possiblidade de eles fazerem uma leitura equivocada", completa a repórter.
E dentro dos gramados, além de jornalistas e atletas, as profissionais da arbitragem sofrem muito com o machismo.
O preconceito é evidenciado pela falta de espaço. Entre todas as categorias de assistentes apenas 18,4% são mulheres. Já entre os árbitros, essa relação é ainda menor: 6,6%. Veja a relação de homens e mulheres no quadro de arbitragem da CBF:
Fonte: CBF/2015
Luana Renófilo é assistente do quadro da Federação Paulista de Futebol e diz que escuta comentários machistas até de mulheres. "Eu já ouvi, por exemplo, coisas do tipo "vai pilotar fogão", "vai lavar louça" e "não devia ter tirado a barriga do tanque", como se o homem não pudesse realizar esses afazeres", conta a bandeirinha.
O caso da assistente Ana Paula de Oliveira foi marcante no meio do futebol. Em 2006, ela se destacava como bandeirinha, num espaço muito menos ocupado por mulheres do que é hoje em dia. Entretanto, os comentários sobre ela não eram profissionais -- a mídia e torcida falavam apenas de sua aparência. No mesmo ano, Ana Paula recebeu um convite da revista Playboy para posar nua e aceitou. Após isso, foi afastada e saiu do esporte. Depois, chegou a ser comentarista na TV Alterosa de Minas Gerais e da Rádio Estadão.
Para a jogadora Roberta Pascotto, o caminho para o fim do preconceito no futebol é longo, mas já começou a ser trilhado e deve ser feito pelas próprias pessoas de dentro do esporte. "Há um movimento constante no futebol feminino. Há muitas reuniões no anfiteatro do estádio do Pacaembu, onde ex-jogadoras, jornalistas e pessoas do meio esportivo se juntam e tentam achar projetos e soluções para a melhora da modalidade", conta a atleta.
Mesmo com a pouca divulgação por parte da mídia desses eventos Roberta se mostra esperançosa:
"Acho que temos que começar pensando pequeno, com coisas surgindo de dentro da própria modalidade, juntando seguidores, ideias e pessoas dispostas a ajudar e aos poucos ir conquistando nosso lugar".
"Acho que temos que começar pensando pequeno, com coisas surgindo de dentro da própria modalidade, juntando seguidores, ideias e pessoas dispostas a ajudar e aos poucos ir conquistando nosso lugar".
*Texto de David Frare, Diego Pinheiro, Gabriella Gouveia, Guilherme Gozzi, Henry Zatz e Leonardo Ferreira
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